1 de agosto de 2014

1° de agosto.


Agosto, “mês de ventos fortes”, é um dos mais especiais do ano. Ainda assim, em torno dele se formaram muitas superstições, de tal sorte que o oitavo mês do ano é hoje rodeado de muito folclore. Quanta infâmia! Tanta coisa especial envolve esse mês… Quantas pessoas especialíssimas, leoninas e virginianas, têm neste mês o seu feliz natalício… Quantas coisas importantes aconteceram neste mês, tais como: o primeiro homem foi eletrocutado numa cadeira elétrica; o suicídio de Getúlio; a morte de Juscelino; a renúncia de Jânio; a renúncia de Nixon à presidência dos Estados Unidos… Gente, quanta injustiça com o mês do imperador Augusto! Só pode ser inveja ou despeito! Seja como for, se você é desses (ou dessas) que vive injuriando este mês, segue abaixo uma genial crônica de Caio Fernando Abreu, com algumas sugestões para você atravessá-lo. :)

Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro — e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.

Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros angúrios, premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos.

Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos – ou precauções — úteis a todos. O mais difícil: evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade… Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo ZAP!): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.

Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu — sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antônio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.

Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques — tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas — coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.

Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter de mais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco.


Não posso deixar de colocar aqui o texto do Caio F 
sobre o mês de agosto no primeiro dia desse mês.

2 comentários

  1. Muito boa sua postagem, minhas duas filhas são de agosto, uma do dia 17 outra do dia 27, nunca fui de ter superstições então agosto é como outro mês qualquer, a única coisa que me deixa um pouco irritada é a ventania e o tempo que fica mais seco aqui no centro-oeste.

    ResponderExcluir
  2. Só esse excerto de Sereníssima já me ganhou. Minha música preferida da Legião! :D
    Algumas pessoas dizem que quem sobreviver a agosto, vive até o próximo ano. E agosto é um mês decisivo para mim, é nesse mês que saberei se me formo ou não, rs.
    Superstições sempre existirão, assim como lendas e folclores. E são bacanas quando não são seguidas à risca.
    Uma amiga diz que o Caio é meu escritor e esse texto é o primeiro dele que leio, acreditas? Até então só tinha lido excertos. Mas, morangos mofados sempre me vem à mente quando penso nele. Adorei o texto e os detalhes. Sobretudo, quando ele diz que para vivermos esse mês, precisamos ignorar a existência dele até não ser mais possível ignorar. :D

    ResponderExcluir

➤ Todos os comentários são moderados.
➤ Comentários rasos e sem sentido não serão aceitos: Nem respondidos e muito menos retribuídos.
➤ Se você NÃO leu o post ou o assunto NÃO te interessa, NÃO COMENTA!
➤ A você que leu o post e vai fazer um comentário pertinente ao assunto, meu muito obrigada.
O mais breve possível passarei em seu blog para retribuir o carinho.

© Lado Milla
Maira Gall