10 de abril de 2014

A solidão criativa




Não estou fazendo apologia à solidão, mas estar só permite criar mundos que jamais criaríamos se estivéssemos acompanhados. O terraço da casa dos meus pais é testemunha concreta desta história. Ele me viu aprontar tantas coisas. Ele foi a tela, o palco no qual pintei, bordei e interpretei toda a minha infância.

Um dia, fiz uma guerra nascer (hoje eu sei que toda guerra deve morrer!). De um lado, o Exército Insensível, comandado pelo maléfico General Cabeça de Balde, com sua multidão de soldados-tijolos enfileirados numa precisão militar, esperando a ordem superior para atacar. Nós, das Forças Amadas, não tínhamos comando, estratégia ou tática de guerrilha. O amor não é subordinável, costuma apenas seguir o coração. Por isso, às vezes, perde uma ou outra batalha – nunca a guerra! Nas trincheiras que cavei na montanha de areia destinada à construção de um muro de proteção coloquei meus soldados-paralelepípedos em posição de defesa. Eu, montado em meu cavalete quebrado, me sentia um verdadeiro herói da Cavalaria. Segurava um cabo de vassoura abandonado – que naquele momento eu jurava ser a ponta da minha espada. Eles atiravam com balas coloridas. E a gente revidava com uma chuvarada de bolinhas de gude. Depois de um intenso tiroteio, eles bateram em retirada. Vencemos! 

Quem brinca com a imaginação nunca sai derrotado. Nós hasteamos a bandeira branca – roubada no varal de roupa limpa – ainda molhada (seria o suor dos nossos heróis imaginários?). Sem mortos, sem feridos: salvaram-se todos! A criatividade não mata, não fere. A falta dela talvez…

No dia seguinte, quis ser astronauta. Aproximei duas camas – a minha e a da minha irmã – e me enfiei naquele vão. Coloquei um colchão no chão para voar com todo o conforto do mundo. O painel de controle ficou por conta do meu Game Boy. Se pintasse algum cometa inesperado no caminho, Mario Bros me ajudaria a saltar e a cumprir minha missão com êxito. Dois ventiladores na ponta de cada cama eram as turbinas da minha nave espacial (que potência!). Lençóis vermelhos e laranja simulavam a energia que me faria abandonar o quarto e alcançar o céu em uma fração de segundo. Para a minha segurança, improvisei um capacete feito com papelão e travesseiro. A tripulação – um Playmobil, dois Power Rangers e três girafinhas – está a postos. Aposto que estão com medo! Um walkie-talkie assegura a comunicação da nave com a torre de controle. Tudo está sob controle: podemos ligar os motores! É um pequeno espaço para mim, mas um grande passo para a criatividade.

PEDRO GABRIEL

2 comentários

  1. Sei como é, porque sou uma pessoa muito individualista. Até demais, na verdade. Acontece que eu sinto a necessidade de ficar um tempo sozinha. E acho que isso é uma característica das pessoas criativas. Quando era menor, brincava. Hoje em dia, escrevo.
    Adorei o texto.

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  2. Também tenho necessidades de ficar sozinha; pensando, escrevendo,lendo....

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