No decorrer dos anos 1960, Erasmo Carlos formou uma das maiores
duplas de compositores de sucesso da história da MPB ao lado de Roberto Carlos,
com quem fez diversas canções de enorme sucesso tanto para o “Rei” (Roberto)
quanto para o “Tremendão” (Erasmo) e também para outros artistas na época da
Jovem Guarda. E foi nessa década em que Erasmo emplacava só sucessos atrás de
sucessos durante seu período como artista na RGE Discos, gravadora aonde tinha
Chico Buarque de Holanda, o sambista Miltinho entre outros. Mas na década
seguinte, com o sucesso de Sentado À
Beira do Caminho, que acabara sendo um dos maiores legados da dupla, acabavam
os bons anos na RGE. A Jovem Guarda já deixara de ser um programa fazia anos,
Roberto consolidava com seu sucesso mundial e mais sucessos a dupla compunha.
Foi em 1971 que viu tudo mudar de rumo: assinava com a Philips - que estava com
um elenco de peso (bota peso nisso), e ali iniciou uma nova fase na sua
carreira.
Aqui em Carlos, Erasmo...
ele é bem acompanhado por músicos como o genial Lanny Gordin na guitarra, o
baterista Flávio de Barros nesse time, Sérgio Sznelwarno baixo e em algumas
faixas também contam com os Mutantes nas bases, mais precisamente Sérgio Diasna
guitarra, Dinho Leme na bateria e Liminha no baixo - este último, que depois
participara da banda Companhia Paulista de Rock, acompanhando o Tremendão em
discos e shows de 1973 a 76.
O álbum já começa bem: uma guitarra swingada é o cartão de visitas
para um Erasmo mais na pegada do sambalanço através da faixa De Noite na Cama, escrita por ninguém
mais ninguém menos que Caetano Veloso em seu exílio nas terras do chá e do
futebol, feita especialmente para o próprio Tremendão e que agradou até Marisa
Monte, uma das que regravou este tema maravilhoso anos mais tarde; depois,
temos uma baladinha típica com orquestrações em Masculino, Feminino onde ele
divide os vocais com Marisa Fossa; as composições da dupla aparecem em É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo,
baladinha com ares progressivos e um solo de saxofone arrepiante e pegajoso,
fala de como foi longa a caminhada de Erasmo para chegar ao sucesso, e ainda
coloca nos versos:
"Descansar não adianta/ Quando a gente se levanta/Quanta coisa aconteceu"
como se a gente estivesse a despertar de um sonho que a gente mal
imagina o que realmente passou; o lendário compositor uruguaio Taiguara aparece
colaborando com Dois Animais na Selva
Suja da Rua, com uma pegada bem energizante tanto pelas melodias quanto
pela forma que Erasmo dá voz a este tema - um dos melhores deste disco; já mais
adiante em Gente Aberta, o clima
começa bemsoft e acaba puxadão para o soul à la Motown, mais um tiro certeiro
de Roberto & Erasmo: É dificil colocar apenas um trecho dessa canção por parecer Tão atual:
"Eu não quero mais conversa/ Com quem não tem amor/ Gente certa, gente aberta/ Se o amor chamar, eu vou.."
O lado A termina com uma versão bem eletrizante do
samba sessentista Agora Ninguém Chora
Mais, da autoria de Jorge Ben: um rockzão totalmente elétrico, cheio de
solos, lembra um pouco Zeppelin e coros (duvido que estes vocais que acompanham
o Erasmo sejam os MPB-4, só acho) que engrossa mais o caldo deste disco; para o
lado B, uma história bíblica abre esta segunda parte do disco: Sodoma e Gomorra, com uma voz
suavizante e uma levada de bossa que puxa um pouco para o country e pro folk
especificamente; e nós temo uma boa dose de otimismo em Mundo Deserto, que faz a gente ter esperança de dias melhores no
meio das sombras que eram o regime/ditadura militar e ainda garante:
“Tenho fé que meu país ainda vai dar amor pro mundo”
Numa levada bem soulzeira com ares de rock, bem parecido um pouco
com Sly and the Family Stone e também com Funkadelic ao notar o arranjo; Já na
faixa seguinte, o Tremendão pede algo que acaba soando ousado demais em Não Te Quero Santa, destacando o
excesso de sensualismo (ou uma parte deste) na letra; contra atacando novamente
nesse disco, a dupla traz aqui Ciça,
Cecília com uma pegada bem jovem-guardista e recheada de metais, e de
pegada latina: uma mistura nada de ruim que nos decepcione até aqui; na
sequência, um bolerinho psicodélico Em Busca
das Canções Perdidas Nº 2 que chega a passar batido, seguido de um tema dos
irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle intitulado 26 Anos de Vida Normal é nada
mais que um balanço sincero sobre um homem que passou bom tempo entre o jornal
e a televisão, com um wah-wah e arranjos de Rogério Duprat (1932-2006), que
também fizera os da faixa que encerra o disco: Maria Joana, uma primorosa ode canábica de Roberto & Erasmo -
uma das faixas que a Censura ousou vetar sua radiodifusão e execução em shows
ao tentarem justificar que se tratava sobre Joana, filha de Nelson Motta - em
uma pegada de mambo, bem à moda caribenha e psicodélica fechando com chave de
ouro esta obra-prima.
Basicamente, este trabalho oferece uma mudança radical no som
do Tremendão que oferece o que pouca gente conhecia, mais além daquele da Festa
de Arromba e também do Coqueiro Verde que estávamos acostumados. Autêntico. Ousado. Diferente. E de tão ousado
e diferente esse disco é, que ganhou um espaço merecido na lista dos 100
Maiores Álbuns da Música Brasileira, dando o merecido 31º lugar, e
possivelmente figurando possivelmente em alguma lista dos melhores álbuns rock
brasileiro e que ganhou reedição internacional em vinil através do selo Light
in the Attic, destacando seu valor aqui e lá, além deste também Erasmo Carlos
& Os Tremendões e inclusive Sonhos & Memórias 1941-1972 também foram
reeditados no exterior.
Set do disco:
1 - De Noite na Cama (Caetano Veloso)
2 - Masculino, Feminino (Homero Moutinho Filho)
3 - É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
4 - Dois Animais na Selva Suja da Rua (Taiguara)
5 - Gente Aberta (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
6 - Agora Ninguém Chora Mais (Jorge Ben)
7 - Sodoma e Gomorra (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
8 - Mundo Deserto (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
9 - Não Te Quero Santa (Fábio/Paulo Imperial)
10 - Ciça, Cecília (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
11 - Em Busca das Canções Perdidas Nº 2 (Sérgio Fayne/Vitor Martins/Saulo Nunes)
12 - 26 Anos de Vida Normal (Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle)
13 - Maria Joana (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
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Estarei tagarelando por lá também (principalmente no Snap!!):
Oi Milla!
ResponderExcluirAh, a minha amada MPB! Adoro como toda a trajetória do Erasmo é consagrada e as composições (deve dizer que não sou fã de Roberto Carlos - dele cantando, especificadamente - mas as músicas dos dois, é impossível não gostar) parecem sempre contar uma história, relatar um momento importante ou sentimentos importantes! <3
Amei demais ler o post e conhecer mais detalhes, tanto da carreira quanto do projeto atual do Erasmo!
xoxo
Rê
Acredita que eu não conhecia as músicas do Erasmo Carlos? Adorei dar play e escutar um pouquinho
ResponderExcluirOi Milla, tudo bem? Nossa, faz tanto tempo que não ouço Erasmo. Lembro quando era criança meus pais eram fãs dele e do Roberto Carlos. Há músicas incríveis e letras mais lindas ainda. Como diz um amigo... pura poesia. Beijos, Érika =^.^=
ResponderExcluirSuuuuuuper bacana a tua review desse álbum! Eu nunca fui muito de ouvir o Erasmo especificamente, mas tua postagem tá tão completinha que eu dei o play aqui para conhecer um pouco mais hueiheiuheui
ResponderExcluirOi Milla! Tudo bom?
ResponderExcluirAntes de tudo, me sinto obrigada a dizer que nunca vi uma review tão completa de um álbum - você me deu muita vontade de conhecer esse trabalho, que ainda não ouvi! Achei bacana todo o detalhamento não só do contexto mas dos aspectos técnicos da produção. Incrível!
Gislaine | Literalize-se
wowww, que review mais gostoso de se ler <3 Amo a bossa nova (tenho 5 lps do Erasmo Carlos, fora os outros que tenho do Roberto Carlos com participação dele); Já fazia tempos que não lia um review tão bonito e convidativo. Parabéns
ResponderExcluirOie! Acredita que MPB não é lá meu estilo favorito, minha vó adora essas músicas, é apaixonada pelo Roberto Carlos e tem essa queda pelo Erasmo.
ResponderExcluirPra quem gosta é uma ótima pedida.
http://www.kammykrysthin.com/
Xoxo